Entre
todas as heresias medievais,destacou-se uma,que passou a ser tida como a
que heresia por excelência:o Catarismo.Cátaro e herege passaram a ser
sinônimos.O Catarismo teve tal expansão que ameaçou o domínio da Igreja
Católica na Europa.Os cátaros dominaram todo o Languedoc,a Provença,e
tiveram muita influência no nordeste da Espanha,na Lombardia e no centro
da Itália,na atual Yusgolavia e nos Bálcãs.Temporariamente vencidos
pela Cruzadas de Simão Monfort e de Luis Vll,combatidos pela Inquisição
,os cátaros procuraram ocultar-se para sobreviver.Difundiram suas
idéias ,de modo velado,através de obras poéticas. Sob este ponto de vista,a história do catarismo apresenta-se
como uma longa luta de morte entre duas civilizações:a do norte e a do
sul da França.Conforme Belperron,a máxima militar do norte era:”nenhuma
terra sem senhor”;e no Midi é conservada a fórmula jurídica ,”nenhum
senhor sem título “.Assim mostra o caráter diversificado do feudalismo
militar do norte,e o jurídico ,sob a influência romana ,do Midi.No norte
,o homagium
teve caráter religioso sacro,fundada sob os laços do
feudalismo,enquanto era diminuído ou quase inexistente no Midi,já que a
Igreja se encontrava d
ebilitada pela heresia que proscrevia o juramento.
No Languedoc onde o catarismo se propagou ,no século Xlll,por todas as classes de sociedade e
encontrou defensores tanto nos castelos como nas choupanas.Os grandes
senhores –a despeito da ligação exterior que mostravam em relação a
Igreja Católica –eram ainda mais anticlericais
,mas por enquanto outras razões.O catarismo constituia,para
eles,pretexto para ultrapassar o domínio de Roma.Gostavam de repudiar as
mulheres quando assim os desejava;entrar em guerra qua
ndo lhes apetecia,sem respeitar a" trégua de Deus";os judeus eram em
toda a parte admitidos ,frequentementes em altas funções públicas.A
opulência da Igreja Romana também favorecia a expansão da heresia
cátara.Foi entre os cavaleiros pobres,mercadores e artesões que a heresia se tornou mais popular.
Outro fator importante para o crescimento da seita não era a miséria,mas sim o desenvolvimento econômico rapidamente
crescente ,que produz uma destruturação da sociedade tradicional.É
explicável o movimento herético como um subproduto das mudanças
culturais,sociais e econômicas dos séculos Xl e Xll.Assim, a ordem dos
comerciantes começava a opor-se à dos guerreiros,como o dinheiro a
honra.A liberdade do “serviço livre “,sob o impulso catarista do que em vi
rtude de um direito transmitido por direito de nascimento. Em 1250,Raynier Sacconi
conta doze igrejas ou bispados na França,na Occitania e na Itália:em
França,a Igreja de França;na Itália ,a Igreja dos Albanenses,a Igreja de
Concorezzo,as de Bagnolo,de Vicence,de Florença,do Val de Spoléte;na
Occitania,as igrejas de Toulose,de Albi,de Carcassone.É preciso agregar
as de Agen e de Razés ,cuja existência é revelada pelos dossiês
interrogatórios da Coleção Doat.
Os cátaros dividiam-se em Perfeitos e Crentes:só os Perfeitos,que recebiam o consolamentum(sacramento
que uma pessoa se tornava um perfeito),faziam parte da Igreja Cátara
;os Crentes,como os catecúmenos da igreja primitiva ,estavam excluídos e
não possuíam existência religiosa ,salvo se recebessem o consolamentum.Na presença de um Perfeito,deveria adorá-lo,ou fazer o seu melioramentum.Este rito consistia prostar-se diante do Perfeito,inclinar-se três vezes e solicitar por uma fór
mula tradicional a sua benção .Nas crianças era negado o sacramento,pois não tinham o juízo da razão. [...]Todas
as crianças estão condenadas sem esperança e serão punidas na outra
vida como assaltantes e assassinos ,devido a sua maldade congênita
.Apenas o consolamentum pode salvar os homens.BORST Arno. Les Cathares.
Os
Crentes não tinham as obrigações religiosas dos Perfeitos e comparados a
estes possuíam,pelo contrário,uma liberdade ímpar. Eles não eram
responsáveis pelos seus atos e que deviam esperar,para o poderem
ser,várias reencarnações.Assim,beneficiavam de uma grande
indulgência.Quando pecavam,era o diabo que pecava dentro deles.Não eram
obrigados a viverem de maneira ascética ou mística:quando se
casavam,eram avisados de que a sua alma corria perigo e de poderiam ser reencarnados ainda muitas vezes.Para os Perfeitos a castidade era uma obrigação absoluta .Praticavam o jejum e a abstinência de carne.A mulher era um perigo
permanente,e se fosse tocada,mesmo involuntariamente,expunha o Perfeito
a três dias de jejum.O casamento era considerado um estado satânico
porque se regularizava no crime da carne e tinha como consequência natural a procriação.
A concubina era mais aceita do que a mulher casada,fato que levou as cátaros a acusação de terem hábitos promíscuos. [...]Os
cátaros privavam-se[de comer carne]por causa de sua doutrina de
metempsicose.A carne é suscetível de comer um fragmento da alma ligado a
terra,que que então aí estaria mais ligada ainda pelo
metabolismo.Parecia,aliás,aos católicos que os cátaros se preocupavam
pouco demais com a castidade como disciplina corporal.Desde que elas não
acarretassem a concepção de filhos,eles pareciam encorajar
positivamente as relações sexuais ou,ao menos,não as contrariavam em
nada,o que era o completo oposto da ideia católica.Em
consequência,suspeitava-se que eles praticavam orgias contra a
natureza,sob todas as formas imagináveis.Essas reprovações não eram
totalmente injustificadas ,pois os próprios cátaros reconheciam
francamente preferir a devassidão ao casamento,visto que o casamento era
u
m negócio bem mais sério,regulamentando oficialmente uma coisa má em
si.RUCIMAN,Steve .Le manicheisme medieval
Os
Perfeitos passaram a ser a alma da seita cátara,consagrando
integralmente o seu tempo a um intenso apostolado.Eles percorriam
cidades e os campos ,pregando com a palavra e o exemplo.A finalidade dos
Perfeitos era,por um lado,engrossar as fileiras de seus adeptos e,por
outro,arrebatar seguidores da Igreja de Satã ,a Igreja Católica.Daí
arremeteram com violência contra os sacramentos,as igrejas,a cruz e os
cemitérios,contra o culto,as relíquias,enfim,contra o clero
Censuravam
os poderes públicos e o direito de julgar e ordenar; não prestavam
qualquer juramento ,base das relações humanas da cristandade
medieval,pois afirmavam que a autoridade descrita no Velho Testamento
era obra do Deus -Mal e fora abolido por Cristo.
E´claro
que tais doutrinas viam a vida com maus olhos e não só a vida,mas
também a própria existência era tida como coisa má.Estava,então ,na
lógica de seu sistema admitir o suicídio.A” endura” consistia
geralmente em se deixar morrer de inanição ou,mais raramente de
frio.Prática muita divulgada no fim do século Xlll e sobretudo no
condado de Foix,sob a influência do pastor Pedro Autier.
A
reação popular contra os crimes do catarismo foi violenta.O povo,não
contaminado por esses erros,ao saber de algum crime causado por essa
doutrina,massacrava os assassinos de mulheres grávidas e os que tinham
provocados tais crimes.
Para coibir esses linchamentos,e para que houvesse um julgamento correto,é que a Igreja instituiu a Inquisição. Caso
os cátaros tivessem dominado o mundo,nós,hoje,não existiríamos.Eles
teriam extinguido a humanidade.Isso tão evidente, que até protestante
Henry Charles Lea, referindo-se aos cátaros, foi obrigado a afirmar: “Essa
era a crença cuja rápida difusão através do midi da Europa encheu a
Igreja de um terror plenamente justificado.Por mais horror que nos
possam inspirar os meios empregados para combatê-la,por mais piedade que
devamos sentir por aqueles que morreram vitimas de suas convicções
,reconhecemos sem hesitar que ,nas circunstâncias,a causa da ortodoxia
era a da civilazação e do progresso.Se o catarismo se houvesse tornado
dominante,ou pelo menos igual ao catolicismo,não há Dúvida de que sua
influência teria sido desastrosa”(H.C.Lea.Histoire de I´Inquisition au
Moyen-age.vol.I.Paris,1986-1988,P.121 apud J.B.Gonzaga.op.cit.p.111)
Na
verdade,a base da doutrina cátara encerra o eterno mistério da
coexistência e da relação entre o perfeito e o imperfeito,o absoluto e o
transitório,o eterno e o temporal,o bem e o mal,o espírito e a
matéria.Eles eram maniqueístas e gnósticos .Consideravam que o Mal tinha existência ontológica.É isto os que tornavam maniqueus.Apesar disso,consideravam ser os verdadeiros e bons cristãos.
Para
eles,a matéria teria sido criado pelo Deus do mal,para aprisionar o
espírito do bom Deus.Portanto,todo o universo material seria maligno,e o
Criador do mundo-que nos adoramos-seria o Deus do mal.O
Deus-Bem,compadecido de seus anjos encadeados na terra pelo
Deus-Mal,decidiu salvá-los e recuperá-los.Dentre os anjos,enviou um
voluntário como emissário,que se tornou o Filho de Deus.O corpo mortal
de Jesus Cristo foi apenas uma aparência,visto que uma emanação do
Deus-Bem não pode ter contato com a matéria,obra impura do Deus –Mal. As consequências dessa teoria são evidentes,estando em primeiro plano a rejeição do Velho Testamento,obra de Jeová,Deus-Mal. O homem não foi criado à imagem de Deus,mas pelo Demônio .O encargo
de Cristo foi uma simples missão num mundo satânico,sendo negadas a
encarnação,a paixão e a ressurreição..Daí o ódio dos cátaros pela cruz e
pelo sinal da cruz que se relacionam aos sofrimentos de Cristo e o
ligam à matéria impura.
A
mensagem levada por Cristo aos anjos decaídos,nos quais a alma divina
se encontrava presa no corpo satânico dos homens,estava contida no
Evangelho de São João,”E sem Ele nada foi feito”que recebia atenção na
palavra nihilum(substantivo),o nada,uma”coisa”que não se encontra
situada no mesmo nível ôntico que as essências criadas pelo verdadeiro
Deus. Para os cátaros ,este “nada” significava o conjunto das coisas e dos espíritos maus. De
acordo com a doutrina cátara,o Deus-Bem triunfará sobre o Deus-Mal, e conseqüentemente todos os homens serão ,por certo,salvos,pois o triunfo
de Deus sobre Satã não poderiam ser completo enquanto a última criatura
deste não abandonasse o seu invólucro carnal,para alcançar seu lugar no
seio da milícia celeste.Em certos aspectos,o catarismo,afirma que esta
vitória do Bem sobre o Mal será obtida”à justa”e ,de qualquer modo,não
conduzirá à eliminação total do princípio do Mal,que é eterno e
indestrutível.
É o que já alguns controversistas católicos
censuravam os albaneses:”uma vez que as almas do Deus
-bom,diziam,regressem ao seu reino e do Deus –mau ao seu,por que não
recomeçarão as hostilidades entre os dois princípios?”a prova da
Mistura,e sua derrota final,tornaram a obscuridade incapaz de renovar a
sua tentativa de invasão do reino de Deus;a disjunção das duas
naturezas,a superioridade do Bem,a segurança e a paz da luz,serão,
então,definitivas. Como vê,a superioridade do bom princípio reside na sua eternidade.Enquanto o mau “dura”indefinidamente-porque é
princípio-,mas numa transformação perpétua e no caos(o inferno no
sentido cátaro), o Deus do bem,esse que nunca muda e é capaz,uma vez que
todo poderoso no bem,de acrescentar um pouco de existência aqueles que o
Mal reduziu.Foi assim que Cristo fortaleceu o seu ser e se furta à
corrupção universal.
Afinal,tinham
a sociedade religiosa e as sociedades civis o direito de se defender
contra esta conspiração da anarquia civil e religiosa? Reconheçamos
que era um dever,pois que não se disputava somente sobre algum ou
alguns dogmas,mas que toda a ordem social se achava ameaçada.
Ednardo Cordeiro
Vale lembrar que a Inquisição foi instaurada permanentemente após a cruzada contra os cátaros, que foi considerado o primeiro genocídio da história ocidental. E as mais horríveis torturas foram criadas nessa época pela "santa" igreja católica.
ResponderExcluirHouve abuso na perseguição aos cátaros? sim. houve, Ninguém nega que houve. Como também houve abusos nas duas guerras mundiais. Porem, só a modernidade cometeu o hediondo crime de lançar sobre civis, mulheres e crianças, duas bombas atômicas. E os cátaros não eram nem um pouco santinhos. Induziam mulheres grávidas a abortar e eram contra a procriação. Eis que afirma um historiador que não é católico: " "... A causa da ortodoxia Católica não era outra coisa senão a civilização e o progresso humano... Se essa crença, o Catarismo, tivesse conseguido recrutar a maioria dos fiéis, o resultado seria trazer a Europa de volta à mesma barbárie dos seus tempos primitivos..." (Léa, Henri-Charles, Historie de l'Inquisition au Moyen Age, Paris, Éd Jêrome Millon, 1986, 3 vols).
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