"Obreiros da paz são aqueles que amam, defendem e promovem a vida na sua
integridade
4. Caminho para a consecução do bem comum e da paz é, antes de mais nada, o
respeito pela vida humana, considerada na multiplicidade dos seus aspectos, a
começar da concepção, passando pelo seu desenvolvimento até ao fim natural.
Assim, os verdadeiros obreiros da paz são aqueles que amam, defendem e promovem
a vida humana em todas as suas dimensões: pessoal, comunitária e transcendente.
A vida em plenitude é o ápice da paz. Quem deseja a paz não pode tolerar
atentados e crimes contra a vida.
Aqueles que não apreciam suficientemente o valor da vida humana, chegando a
defender, por exemplo, a liberalização do aborto, talvez não se dêem conta de
que assim estão a propor a prossecução duma paz ilusória. A fuga das
responsabilidades, que deprecia a pessoa humana, e mais ainda o assassinato de
um ser humano indefeso e inocente nunca poderão gerar felicidade nem a paz. Na
verdade, como se pode pensar em realizar a paz, o desenvolvimento integral dos
povos ou a própria salvaguarda do ambiente, sem estar tutelado o direito à vida
dos mais frágeis, a começar pelos nascituros? Qualquer lesão à vida, de modo
especial na sua origem, provoca inevitavelmente danos irreparáveis ao
desenvolvimento, à paz, ao ambiente. Tão-pouco é justo codificar ardilosamente falsos direitos ou
opções que, baseados numa visão redutiva e relativista do ser humano e com o
hábil recurso a expressões ambíguas tendentes a favorecer um suposto direito ao
aborto e à eutanásia, ameaçam o direito fundamental à vida.
Também a estrutura natural do matrimónio, como união entre um homem e uma
mulher, deve ser reconhecida e promovida contra as tentativas de a tornar,
juridicamente, equivalente a formas radicalmente diversas de união que, na
realidade, a prejudicam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo
o seu carácter peculiar e a sua insubstituível função social.
Estes princípios não são verdades de fé, nem uma mera derivação do direito à
liberdade religiosa; mas estão inscritos na própria natureza humana – sendo
reconhecíveis pela razão – e consequentemente comuns a toda a humanidade. Por
conseguinte, a acção da Igreja para os promover não tem carácter confessional,
mas dirige-se a todas as pessoas, independentemente da sua filiação religiosa.
Tal acção é ainda mais necessária quando estes princípios são negados ou mal
entendidos, porque isso constitui uma ofensa contra a verdade da pessoa humana,
uma ferida grave infligida à justiça e à paz.
Por isso, uma importante colaboração para a paz é dada também pelos ordenamentos
jurídicos e a administração da justiça quando reconhecem o direito ao uso do
princípio da objecção de consciência face a leis e medidas governamentais que atentem contra a dignidade
humana, como o aborto e a eutanásia.
Entre os direitos humanos basilares mesmo para a vida pacífica dos povos,
conta-se o direito dos indivíduos e comunidades à liberdade religiosa. Neste
momento histórico, torna-se cada vez mais importante que este direito seja
promovido não só negativamente, como liberdade de – por exemplo, de
obrigações e coacções quanto à liberdade de escolher a própria religião –, mas
também positivamente, nas suas várias articulações, como liberdade para:
por exemplo, para testemunhar a própria religião, anunciar e comunicar a sua
doutrina; para realizar actividades educativas, de beneficência e de assistência
que permitem aplicar os preceitos religiosos; para existir e actuar como
organismos sociais, estruturados de acordo com os princípios doutrinais e as
finalidades institucionais que lhe são próprias. Infelizmente vão-se
multiplicando, mesmo em países de antiga tradição cristã, os episódios de
intolerância religiosa, especialmente contra o cristianismo e aqueles que se
limitam a usar os sinais identificadores da própria religião.
O obreiro da paz deve ter presente também que as ideologias do liberalismo
radical e da tecnocracia insinuam, numa percentagem cada vez maior da opinião
pública, a convicção de que o crescimento económico se deve conseguir mesmo à
custa da erosão da função social do Estado e das redes de solidariedade da
sociedade civil, bem como dos direitos e deveres sociais. Ora, há que considerar que estes direitos e deveres
são fundamentais para a plena realização de outros, a começar pelos direitos
civis e políticos.
E, entre os direitos e deveres sociais actualmente mais ameaçados,
conta-se o
direito ao trabalho. Isto é devido ao facto, que se verifica cada vez
mais, de o
trabalho e o justo reconhecimento do estatuto jurídico dos trabalhadores
não
serem adequadamente valorizados, porque o crescimento económico
dependeria
sobretudo da liberdade total dos mercados. Assim o trabalho é
considerado uma
variável dependente dos mecanismos económicos e financeiros. A propósito
disto,
volto a afirmar que não só a dignidade do homem mas também razões
económicas,
sociais e políticas exigem que se continue « a perseguir como
prioritário o objectivo do acesso ao trabalho para todos, ou da sua
manutenção ».[4] Para se realizar este ambicioso objectivo, é condição preliminar uma renovada
apreciação do trabalho, fundada em princípios éticos e valores espirituais, que
revigore a sua concepção como bem fundamental para a pessoa, a família, a
sociedade. A um tal bem corresponde um dever e um direito, que exigem novas e
ousadas políticas de trabalho para todos."
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