quinta-feira, 13 de agosto de 2020

ASSUNÇÃO: uma festa mariana comum ao oriente e ao ocidente.

 

última grande festa do ano litúrgico bizantino (que termina no dia 31 de agosto) é Mariana: Dormição da SS. Mãe de Deus, Kóimesis no grego e Uspénie no eslavo eclesiástico, palavras que aludem justamente ao ato de dormir. E a tradicional representação iconográfica de 15 de agosto mostra a Virgem estendida no leito de morte, rodeada para o último sono pelos apóstolos, vindos prodigiosamente dos lugares onde pregavam o evangelho, tendo ao centro Jesus Cristo que acolhe a sua alma, representada como uma menina envolta em faixas e por ele sustentada.

A partir do dia 1º de agosto, o Oriente bizantino prepara-se para a festa com um jejum (do qual também fala São Teodoro Estudita, morto no ano 826) e dado que, além da pré-festa do dia 14 de agosto, os textos litúrgicos falam do trânsito de Maria Santíssima ao céu até o dia 23 de agosto, pode-se afirmar que este é o mês mariano dos fiéis ortodoxos.

A celebração dessa solenidade no dia 15 de agosto foi fixada com um edito do imperador do Oriente, Maurício (582-602), confirmando uma tradição, sem dúvida, mais antiga. No Ocidente, a festa foi introduzida, juntamente com outras três festas marianas, pelo papa Sérgio I, coincidindo as datas de sua celebração. Quanto ao conteúdo o tropário principal assim sintetiza o mistério:

Em tua maternidade conservaste a virgindade
e em tua dormição não abandonaste o mundo, ó Mãe de Deus.
Foste levada para a vida sendo a Mãe da Vida,
e por tuas orações resgatas nossas almas da morte.

Tropário (Modo 1)

Logo, é posto em evidência o ministério de intercessão que a Mãe de Deus e nossa desempenha após sua entrada (também corpórea) no céu. O kondakion do dia, a segunda oração mais repetida, o confirma:

Nem o túmulo nem a morte prevaleceram sobre a Mãe de Deus,
que, sem cessar, reza por nós e permanece firme esperança de intercessão.
Com efeito, aquele que habitou um seio sempre virgem
assumiu para a vida aquela que é a Mãe da Vida.

Kondakion (Modo 2)

Embora os evangelhos não falem sobre o fim da vida de Maria, existe uma antiga tradição patrística, com informações provindas, outrossim, dos apócrifos, e que está na base do Ofício litúrgico bizantino do dia 15 de agosto.

[...] breve hino extraído da Ode sexta do Cânon da festa, ainda hoje recitado pelos cristãos de tradição constantinopolitana, cujo autor é São Cosme de Maiúma:

A ti, o Deus Rei do universo,
concedeu coisas que estão acima da natureza,
porque, como no parto te conservou virgem,
assim no sepulcro conservou incorrupto o teu corpo
e com a divina trasladação o glorificou.

[...]

Vinde de todos os confins do universo,
cantemos a bem-aventurada trasladação da Mãe de Deus!
Nas mãos do Filho ela depositou a sua alma sem pecado;
com a sua santa Dormição o mundo é vivificado;
e é com salmos, hinos e cânticos espirituais,
em companhia dos anjos e dos apóstolos,
que ele a celebra na alegria.

Hino das Vésperas
(São Germano de Constantinopla)

Como nos demais textos litúrgicos bizantinos, da maioria dos hinos, que se repetem há mais de mil anos, se desconhece o nome do autor: Eis um exemplo tirado ainda do Ofício de Vésperas:

Oh, os teus mistérios, ó Pura!
Apareceste, ó Soberana, trono do Altíssimo
e nesse dia te transferiste da terra para o céu.
A tua glória brilha com o resplendor da graça.
Virgens, subi para o alto com a Mãe do Rei!
Ó cheia de graça, salve, o Senhor é contigo!
Ele que doa ao mundo, por teu intermédio,
a grande misericórdia.

Entre os lugares santos venerados em Jerusalém que se relacionam ao mistério final da vida da Mãe de Deus, não existe somente a Basílica da Dormição cuidada pelos Beneditinos católicos, mas há também o Túmulo da Virgem, que está aos cuidados dos ortodoxos, próximo ao jardim do Getsêmani e onde recentes escavações confirmam que a sepultura remonta, de fato, à época em que viveu Maria Santíssima, e pode ter sido o lugar de seu breve sepultamento. A tradição bizantina, claramente expressa na oração, acredita na morte e no sepulcro da Virgem, mas também na sua antecipada glorificação ao céu com o corpo e a alma, à semelhança e em virtude de quanto aconteceu ao seu divino Filho. Assim começa o texto próprio das Grandes vésperas do dia 15 de agosto:

Ó maravilha inaudita!
A fonte da vida é posta no túmulo
e o sepulcro transforma-se em escada que leva ao céu.
Alegra-te, ó Getsêmani,
santuário sagrado da Mãe de Deus!...

A tradição narra que o apóstolo Tomé, tendo chegado atrasado para o sepultamento da Virgem e querendo rever seu amado semblante, fez reabrir o túmulo, mas este foi achado vazio e a mesma Mãe de Deus anunciou, numa visão, que havia ressuscitado e subido ao céu junto do seu Filho divino.

Se nos textos litúrgicos da festa encontramos várias alusões à tristeza dos Apóstolos que não verão mais junto deles a Mãe de Jesus, predomina, porém, a alegria pelo triunfo da Theotókos.

Diz um hino das Laudes:

A tua gloriosa Dormição alegra os céus,
faz exultar a multidão dos anjos:
a terra toda exulta de alegria
elevando a ti um canto de adeus,
ó Mãe do Senhor de todas as coisas,
Virgem santíssima desconhecedora de núpcias,
que libertaste o gênero humano da antiga condenação.

A festa da Dormição da Santíssima Mãe de Deus - este nome, como também a representação iconográfica (visíveis inclusive nos mosaicos de Santa Maria Maior e Santa Maria em Trastevere, em Roma) permaneceu comum no Oriente e no Ocidente por mais de um milênio.

O termo Assunção, que provém da França, é bem mais tardio ­ «comemora um fato e também atualiza a doutrina e projeta sobre a nossa vida transitória uma luz de eternidade. Esse fato, embora não relatado pela Escritura, tornou-se realidade na consciência da Igreja através da tradição. Maria que é mulher e que morre na terra como todo ser humano, alcança o seu Filho que é Deus e que está no céu. Ademais, esta mulher que podemos legitimamente chamar de representante da humanidade enquanto Nova Eva, mulher perfeita enquanto Pura Mãe de Deus, não perdeu nenhum de seus atributos naturais, não se abstraiu em alguma alegoria impalpável: ela permanece Maria. Mas o que ela é, no resplendor do seu ser real, as festas no-lo desvelam».

Com esta citação de um teólogo russo ortodoxo concluímos, retomando do Ofício das Vésperas bizantinas uma última invocação:

...Ó imaculada Mãe de Deus,
sempre vivente com o Rei da vida e Filho teu,
reza sem cessar para que seja conservada
e salva de toda insídia do adversário a multidão de teus filhos,
pois nós estamos debaixo da tua proteção
e te glorificamos por todos os séculos".

Fonte:

DONADEO, Madre Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ed Ave Maria, 1998

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